6 de abril de 2007


V
(Pisando em Terra Firme)

Ah que pena que isso é uma comédia romântica e não um conto erótico! Eu daria tudo para contar para vocês as coisas que aconteceram naquele hotel, mas seria grosseiro de minha parte invadir a intimidade da recatada Lívia. Ela ficaria encabulada para sempre. Ele se sentiria agredido e talvez até me processasse. Que pena.

De qualquer maneira, estou autorizada a dizer que Lívia estava feliz. Seu sorriso era maior do que aquele que encantou George no primeiro dia. E George sorria como um menino que ganhou um autorama.
Homens sempre têm esse ar depois da conquista. Dependendo da pessoa envolvida, o autorama pode ser maior ou menor. Mas essa é mais uma diferença grave entre homens e mulheres: após o sexo, na primeira vez com alguém que quer muito, a mulher tem a expressão da princesa que acaba de ser coroada rainha. Ela tem agora um império para comandar. Seu sorriso é plácido e ela é soberana. Por isso seu tombo geralmente é doloroso ao perceber que o império não existia. Um dia ela é rainha, no outro mendiga! Sente-se usada, derrubada, invadida e esfarrapada. A última mulher moradora nas ruas num filme medieval sobre príncipes e plebeus. A conclusão - "ele só queria isso!" - é o pior de todos os pensamentos que podem atravessar o cérebro de uma mulher. Até porque é o coração que ele atravessa. Há tempos que as mulheres tentam fazer de conta que são capazes de querer só sexo. Mas este é um trabalho para a medicina genética, não para seres isolados.

Já os homens, ganham autoramas. Autoramas e ferroramas existem aos montes por aí. Impérios não. Logo os homens não caem. Eles só imaginam que o autorama veio com defeito, desdenham e deixam de desejar. Hum... Ou pelo menos esta é a visão de uma mulher um pouco mais intensa e dramática.

Voltemos então aos nossos outros impérios e autoramas.

Lívia já não via George como celebridade suspeita. Ela já havia parado de procurar e apontar os defeitos dele. Agora era a hora perigosa para Lívia: a contemplação que é sempre seguida de paixão contundente. Ela já não estava nua deitada ao lado de George Clooney - o ator cuja beleza e talento ela sempre achou discutíveis. Agora ela estava nua, deitada ao lado do homem mais encantador e carinhoso que conheceu nos últimos anos, "... nas últimas vidas".

Silêncio na belíssima e espaçosa suíte do hotel cinco estrelas em Buenos Aires. George dormia. Lívia vivia aquele perigosíssimo momento pós-sexo, em que toda mulher deveria levantar-se da cama e ir fazer outra coisa, qualquer coisa. Ele dormia enquanto ela vigiava seu sono, analisava seu rosto, acompanhando o leve movimento de seus olhos, decorando as linhas de seus lábios, ouvindo a sua respiração. Armadilha! Arapuca! É neste momento que uma mulher se apaixona. Puro instinto materno! Quem inventou esta coisa do homem precisar dormir depois do sexo, sabia o que estava fazendo. Lívia caíra nesta armadilha milenar. Estava dentro da rede, pendurada de cabeça para baixo na árvore, e nem pedia socorro! Todos os seus pensamentos, ao passar a mão nos cabelos de um George adormecido, poderiam ser traduzidos assim: meu amado, meu império...Sua rainha vai cuidar de você.

Relógios sem ponteiros. Mundo sem telefones. Vida sem compromissos. Universo sem bússolas. Entre cochilos profundos, palavras sussurradas, pernas entrelaçadas, abraços sonolentos e sorrisos involuntários, o dia passou tranqüilo. Uma cama em Neverland. Não havia vida fora do pequeno império de Lívia e George.

- Hey... Acorda... Tem uma mulher linda na minha cama.
- Hm... Diz pra ela ir embora que você é só meu.
- Boba... Tá com fome?
- Morrendo.
- Vamos sair pra jantar?
- Só se você me der um beijo.
- Só se você me der um banho.
- Também quero.
- Combinado. Beijo e banho. Você consegue abrir o olho pra falar?
- Nunca pensei... Onde a gente vai comer?
- Depende. Que dia é hoje?
- Domingo.
- Já?
- Ahan... Na minha casa isso é dia de churrasco. Ou de macarronada com frango e maionese.
- Maionese?
- Na verdade é uma salada de batata cozida com maionese que eu sempre achei que não combina com macarrão.
- Mas parece bom.
- É coisa de imigrante italiano.
- Quer saber o que um imigrante irlandês come no domingo?
- Whisky?
- Não. Não come porque ta de ressaca.
- E aonde a gente vai achar maionese com whisky?
- Eca! Que tal king crab? Ou algum outro prato do sul da Argentina, pra fugir do churrasco?
- Perfeito. Amo frutos do mar.

Surpreendentemente, Lívia deixara de lado seu relógio e todos os seus "porque nãos". Ela se deixava levar pelos acontecimentos sem se preocupar mais com o que viria a seguir, numa demonstração inédita de confiança em George. Voltaram a Puerto Madero, lugar que à noite era triplamente romântico. Não estava frio e não estava quente. O mesmo passeio à beira do rio acontecia agora como deve ser um passeio romântico à beira do rio. Lívia rompe o silêncio.

- Quando você tem que voltar?
- Ah Lívia... Você já vai começar a se despedir?
- Não. Só quero saber.
- Nós ainda temos dois dias para ficarmos juntos. Vamos tentar aproveitar sem pensar em ir embora, ok?
- Ta bom... Não vou mais falar nisso.
- Eu quero que seja inesquecível, e sem sofrimento, topa?
- Topo. Mas porque a gente sofreria?
- Talvez porque eu adoro você?
- Hm... Ou porque EU adoro você...
- Porque eu vou morrer de saudade?
- Ai... Não fala... Acho que eu vou sofrer sim.
- Não vai precisar sofrer porque eu não vou deixar você ficar longe de mim.
- Acho bom mesmo.

Beijos, beijos, mais beijos sob a lua cheia digna de um romance à beira do rio. Tudo ajudava a completar o cenário lindo e piegas de um amor lindo e piegas que, no fundo, mesmo o intelectual mais chato e mais frio adoraria viver...George pergunta

- Você conhece a Patagônia?
- Não.
- Nem eu. Sempre quis conhecer. É lindo.
- Quando eu era adolescente, sonhava ir pra Terra do Fogo de moto.
- Jura? Não imagino uma Lívia aventureira, easy rider.
- Pois está enganado! Não me imagine fazendo programa de índio, mas aventuras eu adoro.
- Como é programa de índio?
- É acampar, viajar de trailer, tomar banho frio no quintal da casa dos outros, comer comida ruim. Cozinhar macarrão instantâneo com salsicha na fogueira. O resto eu topo.
- Sei. Aventureira de hotel cinco estrelas?
- Mais ou menos. Não precisa tanta estrela.
- Mas a moto também não combina com isso.
- Claro que combina. Se for uma moto maravilhosa, e no caminho eu tiver uma cama quente e um chuveiro que funcione. Nada de barracas e mosquitos.
- Hm... Não me dê idéias...
- Ai ai ai! Que idéias?
- Nada não. Esquece.

A primeira noite foi maravilhosa como Lívia merecia. O segundo café da manhã, muito melhor do que o primeiro. Frutas dadas na boca, geléias e beijos, migalhas na cama, tudo de novo. Algumas cenas românticas, outras bizarras saídas diretamente do senso de humor de George, muitas vezes questionável, que criava situações inesquecíveis. Lívia com a blusa dele, ele com o top dela, concurso de nécessaire, "quem é o mais fresco? Quem trouxe mais coisas desnecessárias?". O tempo passava com risadas e gargalhadas que acabavam em beijos e mais migalhas pela cama.

- Pra que tanto remédio, George?
- Que metida! Chega de mexer nas minhas coisas. Você já ganhou o concurso.
- Hm...Tem segredinhos?
- Claro que não. Eu já sou um senhor de quarenta e quatro anos! Não se vasculha assim as coisas dos mais velhos.
- Ui! Que velho gagá!
- É! Eu estou numa idade perigosa já. Vai que eu encontro uma loira peituda novinha e não agüento com ela? Tenho que me precaver com remedinhos.
- Ah! Ta procurando uma loira peituda novinha?
- Não! Eu já achei.
- Eu não sou loira nem peituda...
- Nada que uma tinta e uma prótese não resolvam.
- George!! Eu nunca vou ser assim. E não sou novinha também.
- Claro que é. Bem mais nova que eu, eu sei que você mente a idade.
- Imagina... Se eu mentir é pra cima mesmo. Daí todo mundo vai dizer: "Nossa! Como você está ótima!"
- Hahah! Bom truque. Eu devia ter ensinado isso pra minha tia Rosemary.
- Ela é muito velha?
- Nem é. Mas mente a idade pra baixo... Daí parece podre de velha.
- Eu nunca vou fazer isso. Nem plástica.
- Ah vai sim.
- Não. Eu me recuso. Minhas rugas são troféus. Elas mostram que eu vivi.
- Claro... Porque elas ainda são poucas. Mais tarde a gente conversa sobre seus troféus! Vamos ver durante quanto tempo você pensa assim. Duvido que você ache que seio caído é troféu. É lógico que mais cedo ou mais tarde vai querer arrumar alguma coisa.
- Ah. Até pode ser. Mas eu acho que nunca vou mudar....
- Claro que vai. Por falar em mudança, a gente precisa arrumar as malas. Vamos nos mudar.
- Como assim? Pra onde?
- Pra um hotel lindo.
- Mas esse é lindo.
- Na Patagônia...
- George? Ta louco?
- Por você? To sim! Vai. Eu arrumo as suas e você arruma as minhas.
- Por que?
- Porque é mais divertido...
- Por que ir pra Patagônia?
- Porque a gente não conhece e nada nos impede.
- Hm...Faz sentindo...

Lívia continua mexendo na nécessaire de George.

- Anda Lívia! Para com isso que a gente tem um avião pra pegar.
- Calma, ainda não achei o viagra do velhinho!
- Como assim?
- Ué... Vai que você não me agüenta...
- Ah é?
George pula em cima da cama, se joga em cima de Lívia
- Vem aqui que eu vou te mostrar quem que precisa de Viagra pra te agüentar...
Lívia morre de rir e grita:
- Ah! SOCORRO! UM VELHO TARADO!!!
Não é preciso dizer o quanto Lívia e George se divertiam o tempo todo com seu sarcasmo delicioso e suas gargalhadas sem fim.

...

Faz muito frio na Patagônia. Era preciso comprar casacos e malas antes de ir para o Aeroporto. Uma total mudança de atitude fazia com que Lívia agora se orgulhasse do homem que a acompanhava. Fazia questão de beijos em público, de andar de mãos dadas, de deixar que ele a chamasse de amor, baby, sweetheart ou qualquer coisa que ele quisesse. Não havia mais George e Lívia. Havia um casal apaixonado, com apelidos carinhosos, fazendo compras nas ruas de Buenos Aires.

Com os olhos cheios da vista impressionante da janela do avião, Lívia e George chegaram ao Aeroporto de Ushuaia na Patagônia: uma pista minúscula perdida no meio do mar do Canal de Beagle, próximo aos Andes, no ponto mais ao sul da América do Sul. O Fim do Mundo.
No táxi a caminho do hotel, Lívia liga para os pais.

- Alô, Mãe?
- Oi minha filha. Eu já estava preocupada. Você ficou de ligar para dizer a que horas chega. Não era ontem?
- Era Mãe. Mas os planos mudaram...
- E a que horas você chega?
- Não sei. Eu estou na Patagônia.
- Patagônia?
- É.
- Patagônia... albatroz, geleiras, Jaques Coustou, isso?
- É mãe. Essa mesmo.
- Porque?
- Porque surgiu uma oportunidade.
- Ah... Uma oportunidade... Sei. Posso saber o nome da oportunidade?
- Eita, Mãe!
- Filha, não existe oportunidade pra quem compra um pacote turístico. Dá pra você me dizer se a oportunidade é loira ou morena?
- Hahaha! Você não existe mesmo, Mãe. É morena... E linda.
- Ah é? Não falei...? E tem nome?
- Tem. George.
- Com esse accent?
- É.
- Ora... Uma oportunidade importada?
- Haha! É. The american oportunity.
- Wow... Bonito?
- Lindo.
- Não é um menino bobo, de camisa florida, né minha filha?
- Não Mãe. Até que é bem idoso...
- Idoso? Ficou louca?
- Não não não. Calma... Brincadeirinha.
- Mas é sério, filha? Ou é só uma aventurazinha?
- Ah mãe... Você me conhece, né?
- Então é pra casar?
- Ah meu deus...
- Brincadeira, filha. E quando você vem pra casa?
- Não sei. Ele tem que ir embora em dois dias. Então a gente vai ficar aqui um pouquinho e depois não sei. Eu te ligo, tá?
- E o que eu digo pro seu pai?
- Que eu acho que desencalhei. Hahahah!
- Tá. Eu me viro com ele aqui. Se cuida minha filha, tá bom? Não se machuca.
- Pode deixar mãe. Ele é um amor. E se eu me machucar você cuida de mim quando eu chegar.
- Ta bom, minha linda. Se cuida.
- Beijo mãe. Eu te amo.
- Eu também. Manda um beijo pra oportunidade.
- Mando. Ah... Liga pra Mélia pra mim? Diz pra ela que tá tudo bem. Pede pra ela te contar o que ela sabe tudo, e pra ela ligar pro meu chefe e avisar que eu voltei de férias doente.
- Ok filha. Um beijo. Fica feliz aí que a gente arruma tudo aqui. Beijo
- Obrigada, Mãe...Tchau.

A vista da janela da suíte no Hotel rústico encravado na montanha, poucos metros abaixo da geleira eterna del Martial, era de tirar o fôlego. A pequena cidade aos pés do hotel, a baía com seus velhos navios encalhados, o Canal de Beagle e o céu. Muito frio lá fora. O vento trazia neve e sol de um segundo para o outro. A cor da água mudava de acordo com a cor do céu e ambos não paravam nunca de mudar. Um outro mundo habitando o pequeno império de Lívia.
Olhando de longe não seria possível pintar o retrato exato do sentimento que dominava Lívia e George. A vida tornou-se leve e divertida para eles que já viviam assim de alguma forma, mas agora era como se o circuito perfeito se fechasse: pessoas que se completam. Assuntos que se completam. Corpos que se completam. Desejos que se completam. Eles já não viam perigo algum em sua aventura. Agiam como se conhecessem um ao outro há anos, como se estivessem juntos desde sempre. Ninguém mais pensava em se preservar. Os dois caminhavam de mãos dadas pelo terreno pantanoso do amor-sem-tempo-para-acabar. Do não-há-nada-que-possa-nos-separar.

Não seria mesmo perigoso? Quem poderia responder?


2 comentários:

Mercedes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Ai...tenho muito medo desse "terreno pantanoso". Estou anciosa
demais hoje...esperando email de uma amiga!!
Beijos!!
Marilia Lopes 30.10.2005
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ANCIOSA com "C "é ansiosa ao cubo viu gente!!
Eu sei q ansiosa é com "S"!!! Marilia Lopes 30.10.2005
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Ok. Vamos combinar que eu vou parar de enrolar e o capítulo VI vai trazer alguma ação definitiva.
Beijos!
Mercedes Gameiro 31.10.2005
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Quero um George pra mim!!!!!
É incrível este seu dom!
Beijinho!
Cris Esteves 31.10.2005
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Oi Me, tá tudo lindo, mais sabe o que eu acho "Isso não vai Prestar"
beijosssssssss
Mary Bacim 31.10.2005
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Meti adorei a maneira como vc escreve , uma delícia ler ........agora...essa Lívia.......por favor ela devia falar menos e AGIR MUITO MAISSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSporque o George é simplesmente o MÁXIMOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO

Claudia Cassou 31.10.2005
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"em que toda mulher deveria levantar-se da cama e ir fazer outra coisa, qualquer coisa"
toda mulher que encontra o homem errado ou que acredita em coisas em que não deveria...

lendo o texto eu me senti passeando pela patagônia, olhando pela janela no hotel, sentindo o frio lá de fora...

como o fante andando pelas ruas de Bunker Hill com sua carteira vazia e sua cabeça cheia de idéias...
a lívia está com seu coração repleto de sentimento e sua cabeça cheia de preocupações... "carteira pra quê? verbo pra quê?"

mto bom, mercedão!
Tito Iubel 31.10.2005

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Não pude ler - ainda - porque é lindo de mais e fiquei em dúvida se devia.
Lavei as mãos antes como pede e ao final de toda a carência, sem dizer nada e nada dizer.
Pedro Moreira da S. Neto 10.12.2005