6 de abril de 2007


I
(Café & lenda)

Dia de sol em Buenos Aires.

Uma típica turista passeia com sua mochila, sua máquina fotográfica, casaco amarrado na cintura, cabelos mal presos com uma piranha, olhando tudo, registrando tudo. A cada nova cidade, um novo relatório de detalhes arquitetônicos. Um novo retrato do povo e seus hábitos. Um novo festival de cores colecionadas em fotos.
Numa praça com bancos de pedra o telefone celular tocou. Ela sentou-se, atendeu e conversou longamente, como se tivesse tempo. Pombos na praça. A luz do sol cortando a sombra das árvores. Uma igreja imponente ao fundo. Pessoas passando com pressa, outras com a curiosidade dos turistas.

No bistrô da esquina, um homem observava curioso.

Ela terminou sua ligação e foi até o Bistrô tomar um café.
Nota da autora: claro, café! Uma história minha não é uma história minha se ninguém tomar um café.
Assim que sentou-se à mesa, o homem se aproximou. Jeans, tênis, t-shirt, mochila, cabelo curto bagunçado e levemente grisalho, óculos escuros, barba por fazer. Típico turista cool.

- Hola. Pardon...err...permisso.

Ela riu da dificuldade dele e tentou salvá-lo. Pensou "Com esse cabelo, deve ser francês".

- Est que tu parle français?
- Non...ãn...spanish? er...
- English.
- Oh thank god! I knew you were smart!

Ela sorriu seu sorriso aberto, esquecendo de se preservar, uma vez que viajava sozinha. Mas lembrando todas as suas experiências, eu pergunto: quando foi que ela se preservou?
Continuaram em inglês.

- Então. Agora que já sabemos que eu sou inteligente e você nem tanto, já pode falar.

Ele sorriu sem graça, meio vencido, mas ainda com seu ar de galã portenho.

- Desculpa. Eu só fiquei curioso para saber que língua estranha era aquela que você falava no telefone.

"Hm... Cantadinha pobre."

- Português.
- Sério? Você é de onde? Portugal?
- Brasil.
- Ta explicado...

"Ai, lá vem outra cantadinha pobre: toda brasileira é bonita, bla bla bla".

- Toda brasileira é bonita.

"Ah! Jesus me leva". Ela sorriu sem muita vontade, agradeceu o elogio, pediu seu café. O rosto dele lembrava alguém que ela não conseguia saber quem era. O olhar de incômodo e curiosidade acabou denunciando que mesmo com a péssima tentativa de aproximação, talvez ele tivesse mais uma chance.

- Posso tentar de novo?
- Como assim?
- Voltar pra mesa, olhar pra você, começar outra vez?

"Hm...ele não é de todo idiota..."

- Claro. Vai lá...Eu dirijo você.

Ele andou até a mesa, olhou para ela de lá.

- Posso ir?
- Tenta ser verdadeiro. Uma coisa mais cinema, e menos novela ok? E não fala demais.
- Ta.
- Ação!

Ele vem andando e olhando fixamente nos olhos dela. "Canastrão". Aproxima-se da mesa. Senta-se.

- Desculpa. Eu preciso sentar aqui. Eu ouvi você falando uma língua que eu não conheço no telefone e tive que olhar. Desculpa mesmo. Mas é que além de achar lindo, VOCÊ é linda. Seu sorriso é impressionante. Então eu pensei: eu vou convidar essa mulher para tomar um café, vou dar um jeito de passar o dia inteiro ao lado dela nem que ela esteja indo se internar num hospital psiquiátrico; vou pedir pra ela fazer desse o melhor dia da minha vida, porque eu tenho certeza que uma mulher com esse sorriso vai ser a melhor coisa que me aconteceu desde que eu fui pra Disney aos 5 anos. Garçom? Mais um expresso, por favor...

Silêncio constrangedor. Ela olhava para ele sem saber o que dizer. "Jogo um troço na testa dele ou me penduro no pescoço?". Ele continuou.

- Então? Soei mais verdadeiro agora?
- Eu disse pra você não falar muito.
- Eu nunca obedeço o diretor. Deixa eu me apresentar? Muito prazer, George.
- George...Porque eu acho que te conheço?
- Meu rosto é comum. Sua vez agora.
- Ah desculpa...Lívia. Meu rosto também é comum.
Ela estendeu a mão.
- Seu rosto é perfeito... - Ele beijou sua mão delicadamente.
"Canastrão irresistível... Meu deus!"
- ...Então... O que você está fazendo aqui?
- Acho que o mesmo que você. Conhecendo Buenos Aires.
- Sozinha?
- E você?
-Sozinho. Tentando ter alguns dias normais, no anonimato, sem perseguição, sem imprensa, sem trabalho. Só um cara normal invisível.
- Por que?

Ela olhou mais uma vez. O rosto começou a se encaixar com as informações, o jeito de falar o corte de cabelo, a barba mal feita, os olhos... Continuou:

- Entendo...
- Entende?
- Claro.
- Então você sabe quem eu sou.
- Não. Eu sei quem você é, mas não o conheço. Então ainda não sei quem você é. Assim como você não sabe quem eu sou. Estou errada?
- Não. Certíssima. E sabe o que eu quero? Eu, Senhor Ninguém que acaba de conhecer a linda Senhora Ninguém num bistrô simpático, quero ser ninguém até me tornar alguém só porque o dia foi bom. Entendeu?
- Ahan. Mas você não imagina que vá deixar de ser Ninguém só porque é alguém "conhecido", né? Ou que vai mesmo passar o dia comigo?
- Não, Dona Lívia Ninguém. Se eu for um lixo de um ninguém, prefiro que você me jogue no Rio De La Plata e não olhe para trás.
- Que ótimo. Então pede mais um café pra mim, Sr. Ninguém, e vamos conversar enquanto eu penso em que ponto do Rio que quero te jogar.
- Uou! Jura? Você vai deixar eu ficar sentado aqui conversando com você?
- Claro. Mas é só esse café e eu vou te jogar no rio. Depois quero passear mais um pouco para tirar mais fotos, ok?
- Ok. Muito gentil...

As horas se passaram numa conversa sem fim, sem que nenhum dos dois percebesse que a tarde já havia roubado aquela manhã de sol e que o passeio de Lívia estava se perdendo minuto a minuto.
Os pombos na praça já estavam cansados de voar ao redor dos turistas. Os turistas já estavam a caminho de outras praças. O sol já não cortava mais a sombra das árvores.
Muitos cafés, algumas tortillas, cigarros e mais cafés. O garçom se aproximou da mesa com o cardápio e perguntou:

- Gostariam do prato do dia?

Os dois se olharam com espanto. Lívia se desesperou:

- Como assim? Almoço? Já? Que horas são? Meu Deus, três horas da tarde... Ah! Perdi o passeio pro Caminito! George...Olha o que você fez...
- Eu, Lívia? Você que nunca para de falar. HAHAHHA! Que tal um táxi até o Caminito e a gente continua a conversa?
- Perfeito. Traz a conta, por favor.
- Hey... Deixa o garçom comigo, ok?
- Hm...a gente brigar em público?
- Só na próxima conta.

Quando o garçom trouxe a conta, trouxe junto um bloquinho.

- Senhor Clooney, será que pode me dar um autógrafo?

Lívia interrompeu:

- Clooney? Te confundiram outra vez, amor. Dá um autógrafo pra ele mesmo assim. Inventa uma assinatura.

Olhando para o garçom:

- Daí você finge que era dele mesmo, né?
- No, gracias.

O garçom recolheu o bloco de cima da mesa mais do que rápido e saiu resmungando.

- Ha! famoso...bah! cópia del carajo!

Os dois saíram do bistrô às gargalhadas em direção ao ponto de táxi.

- Ele ficou muito furioso!
- Cópia del carajo!
- Hahaha! Você me salvou!
- De nada. Sempre que precisar me chama. Então...Caminito ou Porto Madero?
- Você não queria ir ao Caminito?
- Posso ir uma outra vez.
- Podemos?
- Posso. Em Porto Madero a gente pode almoçar. Tem ótimos restaurantes lá. Daí você pode brigar comigo em público, e eu posso te jogar na parte bonita do rio. Uma morte glamourosa. Que tal?
- Perfeito. Um almoço antes de morrer.

O antigo porto transformado numa bela calçada cheia de restaurantes à beira do rio tem o ar romântico do Sena, a modernidade de Barcelona, o clima perfeito para um passeio descompromissado, calmo, regado a risos e conversas. Almoço, vinho, risadas passeios a pé pela beira do rio, ameaças de assassinato a cada cem metros, ele tirando fotos dela, ela fingindo que não queria fotografá-lo, ele começando a olhar para ela diferente, ela fingindo que ainda o achava um tremendo canastrão, tempo passando, tarde caindo.
Um taxi para a Calle Florida. Existe lugar mais brega do que a Calle Florida? Para quem queria ser invisível era o lugar perfeito. Muita gente na rua, milhares de lojas, milhares de turistas,...Todos parecem idênticos na Calle Florida. Em meio à conversa, a vitrine de uma joalheria segurou os olhos de Lívia.

- Nossa... O escaravelho.
- Quem?
- Esse anel de escaravelho.
- É lindo. Que pedra é essa?
- É uma pedra egípcia. Você conhece a história?
- Não. Que história?
- Desse besouro azul?
- Não. Me conta.
- No Egito antigo, eles acreditavam que o besouro era um Deus. O Deus da reencarnação. Da ressurreição. Isso porque quando os besouros nascem, a fêmea serve de alimento para os filhotes até que eles possam sair voando e andando. Por isso eles achavam que quando o besouro morre, ele se transforma em vários outros. Então, quando a pessoa morria, eles retiravam o coração e substituíam por um escaravelho dessa pedra, feito do tamanho do coração que foi retirado. Assim, a pessoa viveria para sempre ou reencarnaria logo. Mas o sentido mesmo, era que ela viveria para sempre.
- Que lindo isso.
- Não é?
- Você queria viver pra sempre?

Ela falava enquanto caminhavam a pé pela rua.

- Viver pra sempre é relativo. Você vai viver pra sempre, ou por muito tempo, porque vai deixar seus filmes. E do jeito que a tecnologia está evoluindo, vai ser possível conservar filmes por muitos milênios. Eu não tenho uma obra pra deixar. Talvez minhas fotos. Mas como eu não invisto nisso, elas não são eternas. Seria bom então viver para sempre no sentido egípcio. Se bem que viver pra sempre no coração de alguém é melhor do que reencarnar, né? Então eu preferia ser o besouro.

Ele olhava para ela cada vez mais bobo e fascinado.

- Posso ser embalsamado e sepultado numa pirâmide então?
- Credo? Que exagero! Pra que?
- Pra você ser o besouro...
- Será que o seu coração é do meu tamanho?
- Medidas exatas. Tenho certeza.

Lívia ficou sem graça como ainda não tinha ficado até agora. Olhou no relógio.

- Está na hora. Eu vou pro hotel.
- Já? Acabamos de nos conhecer.
- Ha! Estamos juntos há quase 12 horas. Você conseguiu o que disse que queria naquela sua cantada péssima! Sentou na minha mesa, tomou mais de um café, passou o dia grudado em mim. Seus sonhos já foram realizados, Sr. Ninguém. Agora é hora de ir.
- Droga. Eu levo você até lá então.
- Olha só! Sr. Ninguém se tornando alguém ao ser gentil. Escapou de novo de ser jogado no rio!

George parou na frente de Lívia e ficou olhando para ela com um meio sorriso paralisado, por eternos segundos que pareciam congelados.

- Hey...o que é esse olhar?
- Esse olhar (that look)?

Num meio abraço, ele começa a cantar rindo:

- The look of love is in your eyes...a look your smile can't disguise...
- Ai essa música é Linda. Mas ficou tão piegas no Brasil. Virou tema de novela. Isso destrói qualquer música...
- Então esquece que eu estou sendo piegas e vamos dançar.
- Aqui?
- Aqui. Eu canto, a gente dança. A noite ta linda. Vai. Para de falar. Me deixa ser piegas!

E cantou enquanto os dois dançavam no meio da avenida deserta.

- "The look of love/ is saying so much more than just words could ever say/And what my heart has heard/ well it takes my breath away/I can hardly wait to hold you/ feel my arms around you /How long I have waited/Waited just to love you/ now that I have found you/You've got the Look of love..."

Lívia começou a cantar junto animada e os dois andaram a caminho do hotel cantando e dançando freneticamente sob os olhares das poucas pessoas que passavam na rua.

- Olha que lindo...já tínhamos uma lenda, agora temos uma música. Nosso relacionamento está evoluindo.
- R-E-L-A-C-I-O-N-A-M-E-N-T-O?
- Shhh! Presta atenção na parte importante. Que falta de romantismo.
- Desculpa, fala.
- Já temos a nossa música... "the look of love"...
- Certo. NOSSA música.
- E já temos uma lenda. A do Deus Besouro que vai fazer você viver pra sempre no meu coração.
- Ó, que lindo!
- É lindo, sim!
- Claro que é lindo. Lindo é saber que o mega galã hollywoodiano é o menino mais romântico que surgiu no mundo desde Romeo em pessoa.
- Ok. Ta me jogando no rio? Ta rindo da minha cara?
- Não George. Eu estou brincando com você. E estou achando muito lindo mesmo você ser assim.
- Ah bom. Eu não ia ficar feliz.
- Então fica. Porque eu estou adorando você tão piegas.
- Lívia! Não estraga?
- Desculpa. Continua...

O hotel ficava no final da Calle Florida, perto da Plaza San Martin. Não era o lugar mais bonito de Buenos Aires. A entrada era por uma galeria que não inspirava confiança. Alguns metros para o seu interior tinha um elevador pequeno, velho, dourado, apertado e quase aterrorizante. Sob o olhar de um segurança mal encarado, na porta do elevardor, os dois se despediam.

- É aqui então?
- É.
- Tem certaza?
- Tenho. Lá em cima não é feio assim.
- Então...
- Então, George... foi ótimo.
- Foi. Foi um dia perfeito. Adorei conhecer você.
- É. Também.
- Um prazer mesmo, Sra. Ninguém.
- Todo meu, Sr. Invisível.
- Me dá um abraço.
- Claro.

Um abraço sem jeito. Meio sem querer largar. Meio largando pra não ficar chato. "Ai meu deus". Ele era muito alto para ela, seus ombros largos, seu peito confortável. Ela magra, miúda, sendo praticamente engolida pelos braços dele. Não queria sair dali nunca mais, mas achava que o dia já havia sido intenso o bastante para ser prolongado num abraço assim.

- Então ta. Até.
- Até.

Ela entra no elevador.

- Hey! Até como? Até quando? Caminito amanhã?
- Não. Amanhã eu vou embora.
- Você vai embora amanhã?
- Vou.
- Mas porque você não me disse?
- Ah... Eu não te conhecia ainda. Achei que não precisava. Não sei.
- Ah não! Você me jogou no rio!
- Não! É que primeiro eu achava que não precisava. Depois eu não sabia como. Desculpa! Juro que não te joguei no rio...
- Ah. Como assim? Você vai embora! Não é "até". Eu nem sei como falar com você.
- Mas a gente se fala, George.
- Como, Lívia?
- Sei lá. Pega o meu e-mail.
- E-mail?
- George. As pessoas se comunicam por e-mail. É um jeito.
- Tá bom. Me dá o seu e-mail.
- Decora?
- Tomara. Fala.
- Livianoone@hotmail.com
- Hey...esse é o seu e-mail? Como assim?
- Não é. Mas vai ser assim que eu chegar.
- A que horas você vai embora?
- As duas da tarde.
- Ai meu deus! Me dá outro abraço vai?

Mais um abraço. Agora sem querer mesmo largar. Mais sofrido. Mais doído. Os braços de George se tornaram o melhor lugar do mundo de repente. Era com se só agora ela percebesse que vai embora deixando alguma coisa que podia ser boa e importante. Naquele momento ele deixava de ser George Clooney para ser alguém que ela queria conhecer mais. Mesmo assim, o eterno "jeito Lívia de fugir" falava mais alto.

- Deixa eu subir?
- Não... Deixa EU subir.
- Então... Deixa?
- Não. Você fica aqui. Eu tenho que ir. A gente se fala.
- Por favor?
- Não George. Você fica.
- Lívia...eu não sei quando vou te ver de novo. Você vai pro Brasil. Eu vou pra América. Me deixa subir?
- George, a gente não vai se perder.
- Ta bom, Lívia. Você me jogou mesmo no rio. Boa viagem. Se cuida, ta?
- Não joguei não. Juro.
- Eu não vou acreditar.
- Vai sim. Eu vou dar um jeito nisso. Se cuida também. Tchau.

Ela se aproximou e beijou o rosto dele.
- Tchau. Não esquece do e-mail.
- Não. Eu faço assim que chegar.

Lívia deixou George Clooney em pessoa plantado na porta de um hotel feio em Buenos Aires e entrou sozinha no elevador, rumo ao apartamento 1101, que tinha duas camas de solteiro, um frigobar e uma TV pequena.


II
(Papo de Menina)

No apartamento apertado e feio do hotel no final da Calle Florida , em Buenos Aires, Lívia pegou o celular e ligou para a melhor amiga no Brasil.

- Acorda Maria Amélia. Preciso falar com você.
- Quem é? Lívia?
- Oi.
- Você não tá em Buenos Aires?
- Tô. Você tá acordada?
- Claro que não, né? São três horas da manhã. O que aconteceu? Você tá bem?
- Tô. Acho.
- O que foi?
- Ai Mélia... aconteceu uma coisa.
- Ai meu deus! O que que houve, Lívia? O que você fez?
- Caca.
- Ai não! Lá vem! Não me diz que você conheceu um argentino lindo e não ficou com ele, que eu te mato!
- Não. Pior.
- Pior? Era um argentino lindo e inteligente e você não ficou com ele?
- Pior.
- Eu vou te bater. Lindo, inteligente e rico?
- Não.
- Lindo, inteligente, rico e de pinto grande?
- Para Mélia! Sei lá o tamanho do pinto!
- Deus! Você nem sabe o tamanho do pinto? Nem me conta mais nada que eu não quero saber. Vou ficar com raiva de você pra sempre.
- Então tá. Dorme bem.
- Nãaaao! Não desliga! Me conta do argentino do pinto misterioso. Hahahahha!
- Para... ele não era argentino.
- Então fala logo. O que pode ser pior do que eu já sei?
- Conheci o George Clooney.

Silêncio.

- Mélia? Você tá aí?
- Tô. Mas acho que não ouvi bem. Quem?
- George Clooney. GE-OR-GE CLOO-NEY!
- O cara era igual ao George Clooney e você não ficou com ele? Pelo amor de deus, Lívia! Onde você ta com a cabeça?
- Não. Presta atenção, Mélia. O cara não é igual ao Geroge Clooney. É ele! O próprio. A pessoa mesmo. O ator.
- Como assim?
- Assim.
- Pera. Deixa eu sentar na cama que eu acho que vou ter uma parada cardíaca. Vê se eu entendi: a minha melhor amiga conheceu o George Clooney em Buenos Aires. Sozinha, livre, desimpedida de tudo, e está me ligando de madrugada pra dizer que não deu pra ele?
- Isso.
- Lívia!
- Ai. Não grita! Eu sei. Mas você sabe como eu sou...
- Sei. Uma anta! Uma monga! Uma ingrata!
- Ingrata?
- É! Você pode e não usa e as amigas ficam sem saber nada! Isso é egoísmo!
- Até parece que se eu transasse com ele ia te contar detalhes.
- Não! Porque você nunca transa com quem interessa! Ai Lívia! E agora? Vocês saíram, conversaram, beijaram na boca? Marcaram o que mais?
- Então, a gente passou o dia mais delicioso juntos. Quase um filme de sessão da tarde. Foi tudo divertido. Ele é um lindo.
- Passou o dia inteiro com ele? Brincando de Before Sunrise?
- Desde as onze da manhã até agora a pouco.
- Meu deus! Fazendo o que?
- Ah... Conhecendo a cidade, tomando café por aí, andando a pé, conversando.
- Conversando? Quem quer conversar com o George Clooney? Noventa por cento das pessoas que eu conheço querem dar pro George Clooney e ele vai cair bem na tua mão?
- Ai Mélia. Do jeito que você fala parece que eu sou uma virgem Maria idiota.
- Mas é!
- Não sou não!
- Não. É uma virgem Maria idiota que não ficou com o George Clooney! Merece morrer!
- Eu não ia transar com ele só porque ele é o George Clooney.
- Tá. Então ele ser quem é não interessa. Me diz então...
- O que? Não interessa mesmo.
- Tá bom. Ele é legal?
- Ele é um lindo. Meio canastrão, mas super doce, gostoso, inteligente, agradável, a melhor companhia, bonito, eu já disse gostoso?
- Já!
- Hahaha!
- Então. Você conhece um cara que é tudo isso numa viagem. Gosta dele. Passa um dia delicioso. Ele quer ficar com você. Porque você não fica com ele, mesmo ele não sendo o George Clooney?
- Porque eu não fico com ninguém no primeiro encontro.
- Que primeiro encontro, criatura? Quando vai ser o segundo? A gente ta falando do encontro!
- Tá, mesmo assim.
- Como mesmo assim? Eu nunca vou te entender. Me fala que beijou na boca. Por favor! Pelo amor de deus. Eu preciso ouvir isso pra poder continuar sua amiga.
- Ai. Cala a boca, Mélia.
- Não beijou. Não acredito. Você não beijou ele?
- Não!
- Não? Porque ele não quis?
- Ele quis. Ele queria subir aqui no meu quarto.
- E você não convidou?
- Eu não deixei.
- Ai, vou desligar.
- Não!
- Mesmo ele te pedindo pra subir e você não deixando, você não deu um beijo na boca dele? Nem pra consolar, nem pra não sair de mão abanando?
- Não.
- Mas por quê? Ele tem bafo?
- Não. Ele é super cheiroso.
- Ai ai ai. Você precisa de um pai de santo, mulher! Não é possível. Isso só pode ser macumba. Você não teve vontade de beijar ele?
- Tive mas... Sei lá.
- Ah sei lá... Como assim sei lá? E o que você vai fazer agora? Você quer?
- Quero né? Depois que eu subi e vi o tamanho da besteira que eu tinha feito... Agora eu quero muito!
- Vai lá no hotel dele, bate na porta e agarra, Lí!
- Eu não sei onde é o hotel dele.
- Liga pra ele então.
- Eu não peguei o celular dele.
- Como assim? Você tá louca? Você por acaso lembra da cara dele? Você fez alguma coisa inteligente? Lívia, você merece morrer devagar... Sofrendo muito!
- Eu sei, Mélia... Eu tô me matando aqui.
- Se mata mesmo! Por mim!
- O que que eu faço, amiga?
- Tem abridor de lata no frigobar?
- Sei lá. Deve ter. Por quê?
- Pega a pontinha do abridor e fura a carótida.
- Para, Mélia! Quero saber o que que eu faço. Eu vou embora amanhã às duas da tarde e nem sei onde achar essa criatura.
- Ah. Que ótimo.
- Dá pra você que é super esperta e faz tudo certo ter alguma idéia?
- Não tem idéia possível pra te salvar, amiga. Você é um caso perdido. Vai dormir... ou tentar né? Porque é de não dormir nunca mais. Amanhã de manhã arruma tuas malas, se afoga num balde de café, enche a cara de tudo o que engorda. Porque você merece ser um bagulho pro resto da vida!
- Ai amiga...
- Ai amiga? Você devia ter me ligado durante o dia pra eu te lembrar que você tá viva!
- Nem tô mais.
- É... Pra mim você morreu mesmo!
- Não faz assim. Eu te amo.
- Merda. Eu também te amo. Mas você não merece nem consideração. Eu vou contar pra todo mundo. Vou publicar no meu blog assim: A MINHA EX-AMIGA LÍVIA MORREU ONTEM À NOITE EM BUENOS AIRES DEPOIS DE SE RECUSAR A DORMIR COM O GEORGE CLOONEY! VACA!
- Hahaha! Não faz isso comigo!
- Vou fazer.
- Mélia, eu te mato.
- Você já me matou, amiga.
- Ai... Por favor.
- Ta. Tô brincando. Vai dormir. Amanhã me liga antes de vir, tá? Quero saber se você teve coragem de sobreviver a essa noite.
- Tá, sua chata. Dome bem.
- Tchau sua anta. Sonha com os anjos. Você não merece sonhar nada melhor.
- Haha! Tchau. Beijo
- Beijo.

Assim, Lívia cobriu a cabeça com o travesseiro e dormiu. Não se sabe ao certo o que ela sonhou, mas acordou de ressaca, com os olhos inchados, triste e mal humorada.


III
(Café da manhã)


Cara inchada, ódio do mundo. Lívia olhou no espelho do banheiro embaçado pelo vapor do da água quente, aproximou-se bem para ter certeza do que estava vendo, passou a mão no espelho para limpar e falou:

- Tá olhando o que? Sofre, sua anta!

Secou os cabelos castanhos com má vontade deixando as pontas molhadas, tentou disfarçar um pouco as olheiras com corretivo. Rimmel. Gloss. "Chega! Nem massa corrida vai resolver esse seu carão", pensou. Começou a juntar as roupas e pacotes espalhados pelo apartamento minúsculo. A bagunça era grande e não sobrava espaço para se movimentar. Alguns hotéis em Buenos Aires são como outros de Nova Iorque, foram feitos para chegar tarde e dormir.
Alguém bate na porta.

- Governança.

"So what? Eu ainda nem fechei a conta e já querem que eu saia daqui? "

- Entra!
- Permisso. Su desayuno.
- Uh? Eu não pedi... Ok, Ok gracias.
"Eu mereço isso mesmo. Vou comer tudo."

Lívia sentou na cama e começou a devorar o café da manhã que chegou enganado ao seu apartamento, achando-se a maior felizarda ganhadora de cafés da manhã do sul do mundo.
"Perdi o George, mas ganhei muffins, bolos e croissants. Há! Nem tudo está perdido... ". Ligou o som. Rap Argentino. "Isso! Me castiga que eu mereço!".
Foi devorando pães, queijos, bolos e tudo o que encontrava, até que percebeu a presença de uma pequena caixa entre a cesta de pão e a de doces.

- Hm... Presentinhos do hotel. Me gusta. Me gusta.

Ao abrir a caixa, Lívia se surpreendeu com o anel de escaravelho que viu na vitrine da joalheria com George(OH! que coisa mais óbvia!). Surpresa. Atônita. Confusa. Ela engasgou com o muffin de chocolate, deixando voar pedaços de bolo por todos os lados. Andava pelo quarto com o anel na mão, colocando e tirando do dedo. Olhava pela janela. Desligava e ligava o som. Sentou de novo. Levantou. Uma barata tonta carregando um besouro! Voltou para a caixa e procurou um cartão, alguma coisa que dissesse o que fazer agora. O cartão estava lá. Era pequeno, branco, discreto, de papel bom, com as iniciais GC em marca d'água.

"Eu quero viver para sempre.
Me salva do fundo do rio.
George No One"


- Ai! Meu Deus, o que eu faço? Eu pulo no rio com você! Juro! Cadê? Que lindo! Mélia! Cadê você quando eu preciso? Ai meu Deus! E agora? Calma Lívia. Pensa. Pensa!

Sentada na cama, olhando para o anel, aos poucos ela foi organizando seus pensamentos e deixando seu rosto entristecer. Quieta, foi deixando que seus pensamentos a fizessem sentir decepcionada. "Eu não posso aceitar esse anel. Ai droga. Agora eu entendi tudo. O poderoso astro de Hollywood exercendo seu poder de comprar mulheres. Ah... por um momento eu quase caí. Eu nunca tive esse espírito groupie! Não ficaria com um cara só porque ele é alguém. Muito menos sou uma loira peituda que se deixa comprar por um anelzinho. Ai... Um anel lindo... A Mélia tem razão, eu deveria ficar com um cara como ele. Eu faria qualquer coisa para encontrar esse cara hoje nem que fosse por cinco minutos, mas não assim. Não... Assim não. Ele pode comprar quem ele quiser, mas não a mim. Ai! Que chato... Que droga. O meu anel... Ah... Sorry Mr. Clooney. Alvo errado. Eu sou uma idiota mesmo... "

Lívia deixou uma lágrima escapar do seu olho esquerdo ainda sem saber o que sentir. Muda, quieta, olhando para o anel em seu dedo, ela ouviu baterem na porta mais uma vez.

- Ai. Que que é?

A governanta abre a porta por fora.

- Permisso. Yo no sabía qué hacer...
- O que?

George surgiu por detrás da camareira, agradeceu, sorriu e fechou a porta. Aos olhos de Lívia era uma cena de filme: George Clooney em slow motion, entra num quarto de hotel com cara de apaixonado e vai entrando, vai entrando, vai entrando, nunca mais para de entrar... Seus olhos se movem devagar, seu corpo se move devagar, seu coração bate devagar, o mundo gira devagar e ele nunca mais termina de entrar. Não se sabe se vai sacar uma arma, se vai se jogar da janela, se vai roubar um beijo... A única coisa que se sabe é que Lívia está sentada na cama, triste, com uma lágrima descendo em slow motion pelo rosto, vendo uma cena de filme como se estivesse no meio de uma viagem de ácido.

George afastou a bandeja para poder passar, pegou Lívia pela mão puxando-a em sua direção e a abraçou.

- Eu tinha que te ver de novo. Desculpa invadir desse jeito... Eu não agüentava mais esperar lá embaixo.
- Eu não agüentava mais esperar aqui em cima.
- Hey... Tem uma gota enfeitando o seu rosto. Hum... Estragando o seu rosto. Dá ela pra mim.
Ele beijou a lágrima no rosto de Lívia
- Pronto. Tá linda de novo. Porque a lágrima?

Ela se afastou um pouco, olhou para a mão e pegou no anel. Ele segurou a mão dela e beijou o anel demoradamente.

- Lindo, né? Fala tudo o que eu quero dizer.
- George... Eu não posso aceitar esse anel.
- Pode sim.
- Não George. Eu não posso.
- Por que Lívia? O que você não está me contando? Você me detestou?
- Não...
- Você é casada?
- Claro que não!
- Você tem oito irmãos barbudos e assassinos no Brasil que vão me matar quando eu chegar lá?
- Não, né?
- Então do que você tem medo? Você está sendo dura comigo desde a hora que me conheceu, como se eu fosse um cara detestável. É isso? Eu sou?
- Não... Acho que eu queria que fosse...
- Então me explica.
- Eu não posso ficar com esse anel. Vou me sentir uma loira peituda interesseira saindo com um ator de cinema pra tirar vantagem.
- Hahaha! Lívia... Faz favor..
- É sério. Não ri!
- Não dá pra não rir. Primeiro que nem toda loira peituda é assim. Segundo que você não é nem tão morena nem tão "flat".
- Para! Eu estou falando sério...
- Ok. Eu vou te falar o que eu acho. Me dá esse anel e presta atenção.
- Fala.
- Você não é uma menininha boba que vai se deixar enganar e eu não sou um velho idiota babão que sai por aí comprando mulheres para mostrar que tem poder. Você também não lembra nem de longe uma caçadora de celebridades. E se fosse uma, eu não precisaria te mandar uma jóia e vir até aqui. Eu mandava uma limosine com um motorista bonitão e você já estaria na minha cama desde ontem. Aliás, eu não precisaria nem ter passado o dia inteiro conversando e andando a pé com você. E se você não se lembra, fui eu que te abordei e não o contrário.
- Eu lembro, mas
- Deixa eu falar. Lívia, se eu quero dar um presente para a mulher mais impressionante que eu conheci nos últimos anos, eu não vou consiguir segurar o impulso de dar pra ela o que eu acho que ela nunca vai esquecer. Seria ridículo eu mandar um bouquet de flores, porque você não ia levar com você no avião, e porque você não me contou nenhuma história egípcia sobre alguma flor. Se tivesse contado, eu teria que correr o risco de você dar as flores para a camareira, e eu mandaria as flores mesmo assim. Eu vi os seus olhos brilhando naquela vitrine. Eu fiquei fascinado pela história do besouro azul. Eu adorei ouvir você dizendo que queria ser o besouro. E eu também quero. Então por favor, não me julga pelo que você viu nos filmes. Tudo o que eu queria agora, era que aquele garçom do bistrô estivesse certo! Eu queria ser uma cópia del Carajo! Um cara normal. Um ninguém mesmo! Porque ia conseguir convencer você de que eu sou de verdade, que eu não quero que você entre naquele avião hoje, que eu passei a noite pensando em você, que eu acordei super cedo pra ir naquela joalheria te fazer uma surpresa só porque você é o máximo, que eu tava morrendo lá embaixo com medo de não te ver nunca mais, que eu morro de medo que você me ache um idiota insistente, que eu...
- Cala a boca, George.
- Que?
- Para... Você já me convenceu.
- Sério? Quando?
- Ah. Acho que em "velho idiota babão".
- E você me deixou falando feito um bobo?
- Tava tão lindo...
- Lívia...
- O que?
- Me dá a tua mão aqui, vai. - Ele colocou o anel de volta no dedo dela - Aceita? Por favor.
- Aceito sim.
- Esse anel não pode sair nunca mais da sua mão. Você vai ter que cuidar muito dele, porque se você tirar, eu morro.
- Menos!...
- Não. - ele fechou a mão dela delicadamente - É o escaravelho no lugar no meu coração.
- Aqui?
- É... - beijando a mão fechada de Lívia, dentro da sua mão. - É o lugar dele.
- Que lindo... Mas que responsabilidade! Eu...
- Lívia. Cala a boca?

Um beijo apaixonado veio selar o momento romântico da viagem de Lívia para Buenos Aires, como na música que George cantou no meio da rua, "Let's take a lover's vow and then seal it with a kiss...".
Nesse momento o "jeito Lívia de fugir" havia perdido o efeito. Não era possível fugir do beijo, como não era possível fugir do homem que precisou derrubar o mito de sua fama para conquistar uma mulher comum. Não era possível fugir de sentir que aquela era a coisa certa a fazer. E nem por um segundo Lívia conseguiu mesmo pensar em fugir.


IV
(A Decisão)

Beijos apaixonados no café da manhã. Mãos e corpos esbarrando em cestas e potes de sucrilhos. Uma cama com a bandeja, outra com as malas, pacotes espalhados e um casal meio grande; todos tentando compartilhar um espaço inexistente. A paixão não deixava que o cheiro do café frio escapasse do bule de inox. O calor dos beijos não permitia que as migalhas de pão se espalhassem. Mesmo com o clima perfeito de romance barroco sujinho, o jeito-Lívia-de-atrapalhar-tudo conseguiu fazê-la olhar sem querer o relógio.

- George! Onze e meia!
- Já perdeu o vôo?
- Não, mas...
- Então volta aqui e me beija mais.
- George?
- Fica comigo até perder o avião.
- Não!

Ele segura o rosto dela com as duas mãos.

- Lívia meu anjo, presta atenção. Você vai perder aquele avião.
- Eu não posso perder aquele avião, George.
Ele fala entre beijos, frases curtas e mais beijos.
- Pode... sim... você não pode... é ter nada mais importante... do que ficar... comigo... para fazer nas próximas... quarenta... e oito... horas.
- Mas o que eu digo em casa?
- Que você encontrou... o homem da sua vida.... e só vai embora... quando ele... cansar de te beijar, e isso... provavelmente... nunca vai acontecer.
- Hahahah! Você é louco. O meu pai me mata.
- Mata nada... quando ele souber que você vai casar... com um cara legal... e dar três netos pra ele... ele vai ficar feliz.
- Para George... Eu tenho que ir pra casa.

George levanta-se com a fisionomia grave. Olha para Lívia com a testa franzida. "Ele fica lindo bravo...", ela pensa.

- Ok. Você vai me deixar pela segunda vez em vinte e quatro horas. Está fazendo uma escolha.
- Ai...como assim, George? Que escolha eu estou fazendo?
- Está escolhendo me deixar pra sempre.
- Isso é chantagem.
- É.
- Mas isso não está certo.
- Está sim. Até agora eu mostrei que quero você. Compulsivamente. Fiz tudo pra você acreditar que eu quero de verdade. Fiz tudo pra estar perto de você desde a hora que coloquei os olhos em você lá naquele bistrô. Sua vez, Lívia.
- É um jogo?
- É. Como tudo. Ninguém joga sozinho.
- É um jogo e você vai blefar.
- Não. É um jogo e você pode perder por W.O.!
- Hahahaha! George.
- Eu não estou brincando.
- Então vamos virar o jogo. O que você faria se estivesse no meu lugar?
- Eu pegaria as minhas malas, sairia desse hotel que não combina em nada comigo, iria com o meu amor para o hotel dele e passaria mais alguns dias maravilhosos em Buenos Aires com ele.
- Tá. E a sua família?
- A minha família me ama e vai entender que eu preciso ficar, porque o meu amor mora longe demais. Quando eu chegar no Brasil, vou levar um tempo organizando a minha vida para poder ir embora morar com ele, e ele vai ficar morrendo de saudade. Como eu sou uma mulher maravilhosa, entendo tudo isso e quero ficar.
- Você é muito apressado...
- E você é lentinha demais. Além de ser meio cega.
- É. Já me disseram isso hoje.
- Ah é? Quem?
- A minha amiga.
- Adoro ela! O que mais ela disse?
- Que eu sou burra, não mereço consideração e devia me matar.
- Hahahaha! Que exagero...
- E que eu devia ir até o seu hotel e te agarrar.
- Viu? Por isso que eu adoro ela. Como é o nome dela?
- Maria Amélia.
- "Amilia"...lindo nome...vou te ajudar a decidir. - pegando o celular no bolso - Liga pra ela.
- Pra que?
- Vai liga... Ela vai te ajudar.
- Não! Tá louco? Ela vai ajudar VOCÊ.
- Melhor ainda. Me dá o número. Ela fala inglês?
- Hahaha. Fala.
Lívia pegou o celular de George e ligou para Maria Amélia.
- Alô?
- Oi.
- Oi, antinha! Sobreviveu?
- Ahãn.
- Tá no aeroporto?
- Não. Pera só um pouquinho.
Sorrindo, ela passou o telefone para George.
- Hello.
- Uh?
- Hello? "Amilia"?
- Quem é?
- Amilia, this is George.- continuaram em inglês - Você pode, por favor, dizer para a sua amiga que a coisa certa a fazer agora é ela ficar na Argentina comigo?
- Ai meu deus! George? George Clooney? Como ela fez pra te achar?
- Fui eu que achei. Voltei ao hotel.
- Ai, ainda bem que um de vocês é inteligente!
- Então você já sabe que ela me esnobou ontem à noite?
- Já! Que vaca!
- Hahahahahah! Ela não é uma vaca...
- Ah é sim! Linda, mas é. Que coragem!
- Então. Não quero que ela vá embora. O que eu faço pra convencê-la.
- Não pergunta George. Manda! Ela é obediente. Não pode deixar ela pensar, senão ela vai voltar correndo pra casa.
- Mas eu não posso forçar.
- Que forçar nada! Não precisa. Ela quer ficar com você, mas ela tem mania de fugir de tudo o que pode ser bom pra ela. Pode mandar sim. O que você quer fazer?
- Quero que ela saia desse hotel e vá ficar comigo no meu, mais uns dois dias. Depois eu preciso ir embora. Mas até lá preciso que ela fique comigo.
- Hm... Precisa? Porque, hein?
- Hm... Porque eu não falo espanhol. Hahahha!
- Que feio! Paga uma intérprete.
- Claro que não é esse o motivo... Eu quero que ela fique comigo porque eu tenho conhecê-la melhor. Eu tô me apaixonando por ela... chega.
- Oh... Que lindo... Então faz o que eu te disse. Manda! Se não ela foge. Ela é bem mandada. Não pergunta nada. Vai pegando as coisas dela, coloca ela no carro e leva pra onde você quiser. Eu me acerto com ela depois.
- Ok. Ela não vai ficar brava comigo?
- Vai! Hahah! Mas não se preocupa. No fundo ela vai amar. Se ela tentar fugir fala assim em português, decora isso: Lívia, junto!
- Diunto?
- É! Junto! E se ela reclamar, diz que fui eu que mandei você falar assim. Ok?
- Ok. Mas fala com ela um pouco, pra ela ficar mais tranqüila. Obrigado, "Amilia".

George passou o telefone para Lívia. Enquanto ela falava baixo com Maria Amélia, ele foi tirando as malas do apartamento e providenciando que fossem levadas para baixo. Quando ela desligou o telefone já não havia nada dela no quarto além de sua bolsa que estava no ombro de George.

- Cadê as malas?
- No carro.
- Você vai me levar no aeroporto?
- Não. Vamos embora?
- George, olha...
- Lívia, junto! - E foi andando para o elevador.
- Hahahha! Eu mato a Mélia! Como assim junto?
- Agora aprendi. Então fica quietinha e faz o que eu estou falando.
- Yes, sir!
- Yes, sir? O que quer dizer "junto"? Alguma palavra mágica?
- Hahaha! Eu nunca vou te contar pra que serve essa palavra!
- Mas eu já sei. Serve pra você me ouvir.

Quem olhasse para o rosto de Lívia dentro do carro a caminho do hotel de seu novo namorado, não poderia imaginar que ela era a mesma que se olhava no espelho pela manhã com ódio do mundo, querendo engordar e ser infeliz para sempre. Subitamente Buenos Aires tornou-se o lugar mais interessante e maravilhoso do mundo. O céu estava mais azul hoje do que em qualquer dos dias de sua estada lá. Havia mais pombos nas praças. Mais pessoas bonitas nas ruas. Mais prédios de arquitetura deslumbrante. Mais música no ar.
"Tango. Alguém me lembra de fazer uma versão de The Look of Love em ritmo de tango."


V
(Pisando em Terra Firme)

Ah que pena que isso é uma comédia romântica e não um conto erótico! Eu daria tudo para contar para vocês as coisas que aconteceram naquele hotel, mas seria grosseiro de minha parte invadir a intimidade da recatada Lívia. Ela ficaria encabulada para sempre. Ele se sentiria agredido e talvez até me processasse. Que pena.

De qualquer maneira, estou autorizada a dizer que Lívia estava feliz. Seu sorriso era maior do que aquele que encantou George no primeiro dia. E George sorria como um menino que ganhou um autorama.
Homens sempre têm esse ar depois da conquista. Dependendo da pessoa envolvida, o autorama pode ser maior ou menor. Mas essa é mais uma diferença grave entre homens e mulheres: após o sexo, na primeira vez com alguém que quer muito, a mulher tem a expressão da princesa que acaba de ser coroada rainha. Ela tem agora um império para comandar. Seu sorriso é plácido e ela é soberana. Por isso seu tombo geralmente é doloroso ao perceber que o império não existia. Um dia ela é rainha, no outro mendiga! Sente-se usada, derrubada, invadida e esfarrapada. A última mulher moradora nas ruas num filme medieval sobre príncipes e plebeus. A conclusão - "ele só queria isso!" - é o pior de todos os pensamentos que podem atravessar o cérebro de uma mulher. Até porque é o coração que ele atravessa. Há tempos que as mulheres tentam fazer de conta que são capazes de querer só sexo. Mas este é um trabalho para a medicina genética, não para seres isolados.

Já os homens, ganham autoramas. Autoramas e ferroramas existem aos montes por aí. Impérios não. Logo os homens não caem. Eles só imaginam que o autorama veio com defeito, desdenham e deixam de desejar. Hum... Ou pelo menos esta é a visão de uma mulher um pouco mais intensa e dramática.

Voltemos então aos nossos outros impérios e autoramas.

Lívia já não via George como celebridade suspeita. Ela já havia parado de procurar e apontar os defeitos dele. Agora era a hora perigosa para Lívia: a contemplação que é sempre seguida de paixão contundente. Ela já não estava nua deitada ao lado de George Clooney - o ator cuja beleza e talento ela sempre achou discutíveis. Agora ela estava nua, deitada ao lado do homem mais encantador e carinhoso que conheceu nos últimos anos, "... nas últimas vidas".

Silêncio na belíssima e espaçosa suíte do hotel cinco estrelas em Buenos Aires. George dormia. Lívia vivia aquele perigosíssimo momento pós-sexo, em que toda mulher deveria levantar-se da cama e ir fazer outra coisa, qualquer coisa. Ele dormia enquanto ela vigiava seu sono, analisava seu rosto, acompanhando o leve movimento de seus olhos, decorando as linhas de seus lábios, ouvindo a sua respiração. Armadilha! Arapuca! É neste momento que uma mulher se apaixona. Puro instinto materno! Quem inventou esta coisa do homem precisar dormir depois do sexo, sabia o que estava fazendo. Lívia caíra nesta armadilha milenar. Estava dentro da rede, pendurada de cabeça para baixo na árvore, e nem pedia socorro! Todos os seus pensamentos, ao passar a mão nos cabelos de um George adormecido, poderiam ser traduzidos assim: meu amado, meu império...Sua rainha vai cuidar de você.

Relógios sem ponteiros. Mundo sem telefones. Vida sem compromissos. Universo sem bússolas. Entre cochilos profundos, palavras sussurradas, pernas entrelaçadas, abraços sonolentos e sorrisos involuntários, o dia passou tranqüilo. Uma cama em Neverland. Não havia vida fora do pequeno império de Lívia e George.

- Hey... Acorda... Tem uma mulher linda na minha cama.
- Hm... Diz pra ela ir embora que você é só meu.
- Boba... Tá com fome?
- Morrendo.
- Vamos sair pra jantar?
- Só se você me der um beijo.
- Só se você me der um banho.
- Também quero.
- Combinado. Beijo e banho. Você consegue abrir o olho pra falar?
- Nunca pensei... Onde a gente vai comer?
- Depende. Que dia é hoje?
- Domingo.
- Já?
- Ahan... Na minha casa isso é dia de churrasco. Ou de macarronada com frango e maionese.
- Maionese?
- Na verdade é uma salada de batata cozida com maionese que eu sempre achei que não combina com macarrão.
- Mas parece bom.
- É coisa de imigrante italiano.
- Quer saber o que um imigrante irlandês come no domingo?
- Whisky?
- Não. Não come porque ta de ressaca.
- E aonde a gente vai achar maionese com whisky?
- Eca! Que tal king crab? Ou algum outro prato do sul da Argentina, pra fugir do churrasco?
- Perfeito. Amo frutos do mar.

Surpreendentemente, Lívia deixara de lado seu relógio e todos os seus "porque nãos". Ela se deixava levar pelos acontecimentos sem se preocupar mais com o que viria a seguir, numa demonstração inédita de confiança em George. Voltaram a Puerto Madero, lugar que à noite era triplamente romântico. Não estava frio e não estava quente. O mesmo passeio à beira do rio acontecia agora como deve ser um passeio romântico à beira do rio. Lívia rompe o silêncio.

- Quando você tem que voltar?
- Ah Lívia... Você já vai começar a se despedir?
- Não. Só quero saber.
- Nós ainda temos dois dias para ficarmos juntos. Vamos tentar aproveitar sem pensar em ir embora, ok?
- Ta bom... Não vou mais falar nisso.
- Eu quero que seja inesquecível, e sem sofrimento, topa?
- Topo. Mas porque a gente sofreria?
- Talvez porque eu adoro você?
- Hm... Ou porque EU adoro você...
- Porque eu vou morrer de saudade?
- Ai... Não fala... Acho que eu vou sofrer sim.
- Não vai precisar sofrer porque eu não vou deixar você ficar longe de mim.
- Acho bom mesmo.

Beijos, beijos, mais beijos sob a lua cheia digna de um romance à beira do rio. Tudo ajudava a completar o cenário lindo e piegas de um amor lindo e piegas que, no fundo, mesmo o intelectual mais chato e mais frio adoraria viver...George pergunta

- Você conhece a Patagônia?
- Não.
- Nem eu. Sempre quis conhecer. É lindo.
- Quando eu era adolescente, sonhava ir pra Terra do Fogo de moto.
- Jura? Não imagino uma Lívia aventureira, easy rider.
- Pois está enganado! Não me imagine fazendo programa de índio, mas aventuras eu adoro.
- Como é programa de índio?
- É acampar, viajar de trailer, tomar banho frio no quintal da casa dos outros, comer comida ruim. Cozinhar macarrão instantâneo com salsicha na fogueira. O resto eu topo.
- Sei. Aventureira de hotel cinco estrelas?
- Mais ou menos. Não precisa tanta estrela.
- Mas a moto também não combina com isso.
- Claro que combina. Se for uma moto maravilhosa, e no caminho eu tiver uma cama quente e um chuveiro que funcione. Nada de barracas e mosquitos.
- Hm... Não me dê idéias...
- Ai ai ai! Que idéias?
- Nada não. Esquece.

A primeira noite foi maravilhosa como Lívia merecia. O segundo café da manhã, muito melhor do que o primeiro. Frutas dadas na boca, geléias e beijos, migalhas na cama, tudo de novo. Algumas cenas românticas, outras bizarras saídas diretamente do senso de humor de George, muitas vezes questionável, que criava situações inesquecíveis. Lívia com a blusa dele, ele com o top dela, concurso de nécessaire, "quem é o mais fresco? Quem trouxe mais coisas desnecessárias?". O tempo passava com risadas e gargalhadas que acabavam em beijos e mais migalhas pela cama.

- Pra que tanto remédio, George?
- Que metida! Chega de mexer nas minhas coisas. Você já ganhou o concurso.
- Hm...Tem segredinhos?
- Claro que não. Eu já sou um senhor de quarenta e quatro anos! Não se vasculha assim as coisas dos mais velhos.
- Ui! Que velho gagá!
- É! Eu estou numa idade perigosa já. Vai que eu encontro uma loira peituda novinha e não agüento com ela? Tenho que me precaver com remedinhos.
- Ah! Ta procurando uma loira peituda novinha?
- Não! Eu já achei.
- Eu não sou loira nem peituda...
- Nada que uma tinta e uma prótese não resolvam.
- George!! Eu nunca vou ser assim. E não sou novinha também.
- Claro que é. Bem mais nova que eu, eu sei que você mente a idade.
- Imagina... Se eu mentir é pra cima mesmo. Daí todo mundo vai dizer: "Nossa! Como você está ótima!"
- Hahah! Bom truque. Eu devia ter ensinado isso pra minha tia Rosemary.
- Ela é muito velha?
- Nem é. Mas mente a idade pra baixo... Daí parece podre de velha.
- Eu nunca vou fazer isso. Nem plástica.
- Ah vai sim.
- Não. Eu me recuso. Minhas rugas são troféus. Elas mostram que eu vivi.
- Claro... Porque elas ainda são poucas. Mais tarde a gente conversa sobre seus troféus! Vamos ver durante quanto tempo você pensa assim. Duvido que você ache que seio caído é troféu. É lógico que mais cedo ou mais tarde vai querer arrumar alguma coisa.
- Ah. Até pode ser. Mas eu acho que nunca vou mudar....
- Claro que vai. Por falar em mudança, a gente precisa arrumar as malas. Vamos nos mudar.
- Como assim? Pra onde?
- Pra um hotel lindo.
- Mas esse é lindo.
- Na Patagônia...
- George? Ta louco?
- Por você? To sim! Vai. Eu arrumo as suas e você arruma as minhas.
- Por que?
- Porque é mais divertido...
- Por que ir pra Patagônia?
- Porque a gente não conhece e nada nos impede.
- Hm...Faz sentindo...

Lívia continua mexendo na nécessaire de George.

- Anda Lívia! Para com isso que a gente tem um avião pra pegar.
- Calma, ainda não achei o viagra do velhinho!
- Como assim?
- Ué... Vai que você não me agüenta...
- Ah é?
George pula em cima da cama, se joga em cima de Lívia
- Vem aqui que eu vou te mostrar quem que precisa de Viagra pra te agüentar...
Lívia morre de rir e grita:
- Ah! SOCORRO! UM VELHO TARADO!!!
Não é preciso dizer o quanto Lívia e George se divertiam o tempo todo com seu sarcasmo delicioso e suas gargalhadas sem fim.

...

Faz muito frio na Patagônia. Era preciso comprar casacos e malas antes de ir para o Aeroporto. Uma total mudança de atitude fazia com que Lívia agora se orgulhasse do homem que a acompanhava. Fazia questão de beijos em público, de andar de mãos dadas, de deixar que ele a chamasse de amor, baby, sweetheart ou qualquer coisa que ele quisesse. Não havia mais George e Lívia. Havia um casal apaixonado, com apelidos carinhosos, fazendo compras nas ruas de Buenos Aires.

Com os olhos cheios da vista impressionante da janela do avião, Lívia e George chegaram ao Aeroporto de Ushuaia na Patagônia: uma pista minúscula perdida no meio do mar do Canal de Beagle, próximo aos Andes, no ponto mais ao sul da América do Sul. O Fim do Mundo.
No táxi a caminho do hotel, Lívia liga para os pais.

- Alô, Mãe?
- Oi minha filha. Eu já estava preocupada. Você ficou de ligar para dizer a que horas chega. Não era ontem?
- Era Mãe. Mas os planos mudaram...
- E a que horas você chega?
- Não sei. Eu estou na Patagônia.
- Patagônia?
- É.
- Patagônia... albatroz, geleiras, Jaques Coustou, isso?
- É mãe. Essa mesmo.
- Porque?
- Porque surgiu uma oportunidade.
- Ah... Uma oportunidade... Sei. Posso saber o nome da oportunidade?
- Eita, Mãe!
- Filha, não existe oportunidade pra quem compra um pacote turístico. Dá pra você me dizer se a oportunidade é loira ou morena?
- Hahaha! Você não existe mesmo, Mãe. É morena... E linda.
- Ah é? Não falei...? E tem nome?
- Tem. George.
- Com esse accent?
- É.
- Ora... Uma oportunidade importada?
- Haha! É. The american oportunity.
- Wow... Bonito?
- Lindo.
- Não é um menino bobo, de camisa florida, né minha filha?
- Não Mãe. Até que é bem idoso...
- Idoso? Ficou louca?
- Não não não. Calma... Brincadeirinha.
- Mas é sério, filha? Ou é só uma aventurazinha?
- Ah mãe... Você me conhece, né?
- Então é pra casar?
- Ah meu deus...
- Brincadeira, filha. E quando você vem pra casa?
- Não sei. Ele tem que ir embora em dois dias. Então a gente vai ficar aqui um pouquinho e depois não sei. Eu te ligo, tá?
- E o que eu digo pro seu pai?
- Que eu acho que desencalhei. Hahahah!
- Tá. Eu me viro com ele aqui. Se cuida minha filha, tá bom? Não se machuca.
- Pode deixar mãe. Ele é um amor. E se eu me machucar você cuida de mim quando eu chegar.
- Ta bom, minha linda. Se cuida.
- Beijo mãe. Eu te amo.
- Eu também. Manda um beijo pra oportunidade.
- Mando. Ah... Liga pra Mélia pra mim? Diz pra ela que tá tudo bem. Pede pra ela te contar o que ela sabe tudo, e pra ela ligar pro meu chefe e avisar que eu voltei de férias doente.
- Ok filha. Um beijo. Fica feliz aí que a gente arruma tudo aqui. Beijo
- Obrigada, Mãe...Tchau.

A vista da janela da suíte no Hotel rústico encravado na montanha, poucos metros abaixo da geleira eterna del Martial, era de tirar o fôlego. A pequena cidade aos pés do hotel, a baía com seus velhos navios encalhados, o Canal de Beagle e o céu. Muito frio lá fora. O vento trazia neve e sol de um segundo para o outro. A cor da água mudava de acordo com a cor do céu e ambos não paravam nunca de mudar. Um outro mundo habitando o pequeno império de Lívia.
Olhando de longe não seria possível pintar o retrato exato do sentimento que dominava Lívia e George. A vida tornou-se leve e divertida para eles que já viviam assim de alguma forma, mas agora era como se o circuito perfeito se fechasse: pessoas que se completam. Assuntos que se completam. Corpos que se completam. Desejos que se completam. Eles já não viam perigo algum em sua aventura. Agiam como se conhecessem um ao outro há anos, como se estivessem juntos desde sempre. Ninguém mais pensava em se preservar. Os dois caminhavam de mãos dadas pelo terreno pantanoso do amor-sem-tempo-para-acabar. Do não-há-nada-que-possa-nos-separar.

Não seria mesmo perigoso? Quem poderia responder?



Capítulo V 1/2

(Delírio)

Corre à boca pequena pela Internet que esta história vai acabar muito mal. Na verdade não sei como acabar com ela. Até porque não gostaria que ela acabasse. Não enquanto eu não encher lingüiça o bastante para ter um livro pelo menos de uma grossura respeitável, com letras não muito grandes, que não precise de muitas fotos, porque vai ser difícil rechear páginas e páginas de Lívia e George. Não por ele, porque a última pesquisa que eu fiz parece figurinha do álbum do Zequinha (coisa mais curitibana isso): tem George em todas as situações e posições imagináveis. Até George cozinhando. O Problema é a Lívia que nunca está nas fotos com o George. Ok... Podemos enrolar dizendo que ela é a fotógrafa. Então o livro já não precisa mais de tantas letrinhas.

Tive um insight para o final. Vejam e me digam o que acham:

Lívia e George vão fazer o tradicional passeio pelo Canal de Beagle para ver lobos marinhos, pingüins, albatrozes e o antigo farol que é lindo. Lá pelas tantas, um leão marinho enviado por uma organização anti-Oscar de Hollywood planta uma bomba no casco do barco. O barco explode jogando cacos, capuccinos e pessoas para todos os lados (sim, capuccinos, dentro do barco servem cafés maravilhosos). Aparentemente ninguém sobreviveu. Durante dois dias as equipes de busca tentaram resgatar os sobreviventes sem muito sucesso, com exceção de umas cinco pessoas que estavam jogando truco numa pedra perto do farol. Entre elas, o sortudo , barbado e maltrapilho George.

Chega ao continente a notícia da explosão do barco e a família de Lívia vai a procura dela. Com a constatação de sua morte, um tio maníaco-depressivo que acredita em teorias da conspiração, resolve que a explosão foi planejada por George para se livrar de Lívia. "Mas porque ele faria isso?", perguntariam todos. O tio, munido de revistas e tablóides americanos e italianos, esfrega na cara da família que George não só tinha uma namorada gostosona, como também estava planejando se casar as escondidas. Há!
Imediatamente, a família traída de Lívia moveu uma ação contra George Clooney, acusando-o de assassinato premeditado e cruel.
George então vai preso na Argentina, como o assassino da jovem brasileira enganada pelo mega-star hollywoodiano. Escândalo mundial. A imprensa do mundo invade Curitiba e o tio maníaco fica famoso, é capa de todas as revistas de moda do mundo e ganha uma edição exclusiva da G .

Numa manhã de domingo, lendo nos jornais as notícias da triste vida da noiva de Clooney à espera da libertação de seu amado, vivendo isolada na casa vazia de George na Itália, chorando abraçada aos garçons no Cassino de George em Las Vegas (o Las Ramblas), sofrendo à beira da piscina na mansão de 20 milhões de dólares de George em Los Angeles, o pai de Lívia tem uma idéia: convoca seus advogados e sugere um acordo para retirar a queixa contra George.


A essa altura, já foram feitos cinco concertos mundiais pela liberdade de George. O Bono Vox já vendeu 10 vezes mais pulseirinhas de plástico escrito FREE GEORGE do que havia vendido pelo Live 8. Bob Geldof e Brad Pitt se juntaram a Stevie Wonder, Paul Mac Cartney, Eric Clapton, Phil Young, Jorge Ben, Sandy, Sting e Vanusa para gravar um single emocionante para arrecadar fundos para comprar um DVD para a cela de George na Argentina.
Pesquisas foram feitas em doze países simultaneamente com a seguinte enquete, "GEORGE: CULPADO OU INOCENTE?". Enquanto isso, grupos de manifestantes solteironas gritavam nas ruas para levar George Clooney para a cadeira elétrica.


Depois de muita negociação, os advogados de Clooney concordaram em indenizar a família de Lívia em 50 milhões de dólares, mais a Villa Oleandra - residência medieval paradisíaca de George na Itália. George é inocentado e volta feliz para casa. Feliz por sua liberdade, mas ainda sofrendo a perda de Lívia. Chora diariamente lembrando os momentos que viveram.

Um mês depois da libertação de George, quando a família de Lívia já havia se mudado do velho apartamento para uma mansão num condomínio fechado em São Paulo, chega um telegrama enviado pelo Amir Klink da Antártida, dizendo que Lívia está a salvo!
Lívia havia nadado até um iceberg, se aquecido entre os leões marinhos e foi encontrada desacordada por Amir Klink e seu barquinho minúsculo. Amir precisou matar os leões marinhos que não queriam devolver Lívia de jeito nenhum. Mas conseguiu. A família de Lívia recebe a notícia como um tiro no peito! Fazem uma reunião de família e decidem que ela não pode aparecer. O tio maníaco sugere a velha tática da CIA e da NASA para assuntos extraterrestres. "Vamos dizer que esta é uma impostora louca e interná-la como doente mental. Ela vai ser dopada. Ninguém acredita em louco. Ela pode gritar quanto quiser que todo mudo vai rir dela e dizer que ela nunca viu o George Clooney!". Mas o coração de mãe de dona Marilda jamais permitiria abandonar sua filha com os loucos num hospício. Foi então que surgiu a idéia de levar Lívia direto para um cirurgião plástico e mudar sua identidade.

Lívia faz cinco cirurgias de transformação da Xuxa, três de transformação da Márcia Goldshmith e um dia de princesa do Netinho. "Vai que eu encontro uma loira peituda...". Pinta o cabelo de loiro, coloca próteses de silicone, afina o nariz, muda o rosto, e vai morar numa outra mansão em São Paulo com seu novo nome em homenagem aos romances de Sidney Sheldon que viraram seriados na sua adolescência. O novo nome de Lívia é TARA WELLS-MC PHERSON!
O dinheiro para a mansão, os carros, a jóias, a carteirinha da Daslu e as roupinhas assinadas veio de um acordo judicial de 27 milhões de dólares que Lívia... Ops... Tara fez com a sua ex-família para ficar de boca fechada.

Depois de um ano se recuperando do stress e das cirurgias, Tara já pode colocar seu plano em prática. Matricula-se num curso de atores no Actor's Studios e mais três cursos na Univerity of California: direção, produção e roteiro. Tem como idéia fixa entrar para o film business e encontrar George. Para parecer uma mulher normal, arruma um emprego de garçonete num restaurante da moda na Melrose. A beleza de Tara chama atenção por onde ela passa. Não demora até que ela seja chamada para testes nas grandes agências de casting de Hollywood. Mas é no restaurante na Melrose, que ela encontra por acaso o seu grande amor.

Numa noite de inverno, quase Thanksgiving, Tara esbarra com sua bandeja em George. Ela suspira profundamente para controlar a emoção, percebe que ele está acompanhado da ex-garçonete-futura-esposa Lisa Snowdon, pede desculpas e corre para o banheiro onde chora copiosamente. Sua vida, sua família e sua identidade haviam se perdido naquele acidente de barco, mas suas maiores perdas eram a companhia e o amor de George. Ao voltar para o salão, tentando agir normalmente, Tara pede que outra pessoa atenda a mesa onde o casal está sentado, evita os olhos dele, mas é inevitável que ele sinta a sua presença.
George, extasiado pela perfeição dos traços de Tara, e pelos olhos que o fitaram há pouco, dá um jeito de perguntar a outra garçonete o nome dela. Está aflito e perturbado. Logo Lisa percebe, ele pede para ir embora, deixa Lisa em casa e volta ao restaurante. Procura por Tara, pede para falar com ela, dizem que ela já foi embora, ele pede o endereço e vai atrás. George não consegue entender o que o faz agir desta maneira. Vai até a casa de Tara e acha estranho uma simples garçonete morar numa casa em Beverly Hills. Bate na porta, é atendido pelo mordomo. Não deixa que ele a chame, sobe as escadas de mármore, invade a suíte master. Tara está chorando na gigantesca cama branca com sua camisola de seda italiana. Ela se assusta com a entrada de George. Fica muda. Ele diz:

- Por favor, eu preciso ouvir a sua voz novamente.

Ela não responde. Aponta para a porta e pede com gestos que ele saia.

- Por favor. Só uma palavra. Fala comigo.
- Vai embora, George.

Ele fecha os olhos de aflição, quase desmaia. Ela percebe que ele está tonto. Levanta-se correndo, segura George num abraço para evitar que ele caia e o ajuda a andar até a cama.

- Você está bem?
- A sua voz .... É igual a dela.
- Ela quem?
- Olha pra mim. Eu conheço você.
- Não... Não é possível.
- O seu olhar....
- George, o que você bebeu?
- Nada... É você. Você é igual a ela.

George olha fascinado para Tara e parece não perceber a diferença em seu rosto. É como se ele enxergasse Lívia, sem plásticas.
Ela não resiste e começa a chorar. Os dois se abraçam.

- Lívia.
- Eu não sou Lívia... Mas não posso conter o que estou sentindo. É forte demais.

Os dois se abraçam, se beijam e fazer amor na cama branca e enorme de Lívia. Oops...TARA.
No dia seguinte George Clooney se casaria com Lisa Snowdon. Ao saber, Tara não vai à aula, pede dispensa no trabalho, tira os telefones do gancho, desliga os celulares, fecha-se no quarto, atira-se na cama, abraça seu travesseiro que ainda guarda o perfume de George e chora o dia inteiro. As nove horas da noite, os olhos de Tara estavam inchados, seu cabelo desgrenhado, seu travesseiro alagado. Ela olha o relógio e imagina que a essa hora, os noivos já estão recebendo os comprimentos em alguma mansão maravilhosa não muito longe dali. Sua vida está terminada. A razão de sua mudança para Los Angeles acaba de se auto-destruir. Lívia odeia seus pais com todas as suas forças, por terem mudado seu destino por dinheiro. Pensa em se matar mas a porta do quarto se abre abruptamente. George, de fraque Valentino, chorando desesperadamente invade o quarto de Lívia/Tara.


- O que você está fazendo aqui?
- Não houve casamento. Vamos fugir para a Patagônia!

Fogos de artifício.
Beijos apaixonados.
Lágrimas na platéia.


The end


Mas não é verdade. Este é apenas um capítulo intermediário. Capítulo V ½. Uma pausa. Um delírio. Só para colocar para fora o absurdo que eu pensei. Relaxem. Voltaremos com nossa historia água com açúcar em breve. Muito breve.